Transtornos da Infância e Adolescência
- Gillian Site
- 23 de nov. de 2023
- 5 min de leitura
Transtorno é não conseguir lidar com as questões internas do inconsciente. Porém é importante identificar o que é normal de cada fase do desenvolvimento ou o que é patológico.
Os traumas na infância normalmente resultam na angústia do desamparo, nesse sentido, vários autores descreveram esse estado de desamparo dentro de suas linhas de atendimento e pesquisa.
O trauma passa por diferentes caminhos, como uma angústia de castração, fantasias de desejos sexuais reprimidos ou o próprio nascimento. Nem sempre um trauma se refere a atos cometidos nos órgãos genitais da criança, alguns são mais ocultos, que são sentidos como uma vivência de abandono, nas separações traumáticas ou no medo da perda do amor de algum cuidador.
Ferenczi fala de uma incompreensão sentida pelas crianças em relação aos adultos, M. Klein fala de um sentimento de solidão, onde a criança incorporou objetos maus, tal como seus pais foram introjetados. Para Winnicott o desamparo vem das falhas ambientais. Na sua visão, a mãe deve ser suficientemente boa, refletindo como um espelho, o seu olhar, sorriso e afeto para o bebê sentir que existe. Sem esse olhar reconhecedor da mãe, certamente surge o desamparo.
Bion nos traz um conceito de continente- conteúdo, dessa forma, se a mãe fracassa na função de conter as angústias e necessidades das crianças, ela ficará com sentimentos de ódio, um ódio não metabolizado que se produz numa falha na alfabetização emocional. A criança terá dificuldade de pensar e simbolizar, usando muito a identificação projetiva.
Bowlby descreveu três fases que acompanham o estado mental e emocional de uma criança, diante da experiência de separação prolongada da mãe e da privação dos cuidados maternos. A primeira é a fase do protesto, na qual a criança chora, esperneia, tumultua, como que pedindo socorro. Na segunda fase, ela, já cansada de lutar, entra num estado de desesperança, isto é, num crescente “desespero” porque começa a não esperar mais nada. A terceira fase é a do retraimento, na qual essa criança, sentindo-se totalmente desamparada, retira toda libido que ela investiu no meio ambiente, efetua um “desapego emocional” e recolhe-se a um estado de indiferença, apatia e depressão.
O fato do trauma ficar representado no ego, faz com que acontecimentos posteriores, aparentemente banais, podem incidir e evocar essas representações traumáticas, determinando um estado de “desamparo”, muitas vezes acompanhado de uma intensa angústia, de um estado de pânico, que é totalmente desproporcional ao fator desencadeante.
Atender crianças é interpretar brincando. O brincar é fundamental para que a criança comunique e simbolize seus conflitos. A interpretação se dá no próprio brinquedo.
A criança quando chega na adolescência precisa fazer uma ressignificação identificatória para se desvencilhar do lugar e do papel que ocupa no sistema narcisista de seus progenitores e conquistar sua condição subjetiva de um ser vivo com existência própria. A questão da construção de uma identidade é uma questão chave na adolescência
Gostaria de focar no transtorno de ansiedade de separação, por fazer parte do desenvolvimento e sendo assim, algum grau de ansiedade de separação é normal e ocorre em quase todas as crianças. Quando se pensa em "normalidade", fala-se da condição da pessoa de enfrentar a angústia e elaborá-la psiquicamente. Por isso é importante identificar primeiramente se é patológico ou parte da normalidade que a criança experiencia durante seu desenvolvimento. Em geral as crianças sentem mais intensamente a angústia de separação entre o décimo e o décimo oitavo mês de vida. Tende a cessar, à medida que a criança aprende que a mãe ou a pessoa que cuida dela, irá retornar. Esse período é considerado normal.
Zimerman explica que, no início da vida, a existência do bebê é um estado caótico que consiste em sensações agradáveis e desagradáveis, sem consciência de si, ou do outro, do que é dentro ou fora. O outro, geralmente a mãe, é concebido pelo bebê como uma extensão de si, o qual deve estar de forma permanente à sua disposição para suprir suas necessidades. Para o autor, não ser visto, nesse momento em que o narcisismo é essencial e estruturante, é o mesmo que não existir. A ausência do olhar da mãe é sentida internamente pelo bebê, como uma ameaçadora separação, com consequentes angústias de aniquilamento, de perda de amor ou de castração.
Pode-se considerar a ausência do olhar materno quando ocorre um afastamento da mãe, mas também quando esta olha para o bebê, mas não
o enxerga, talvez por estar deprimida ou vivendo algum momento difícil em sua vida.
Ser enxergado é uma emoção estruturante para o ego, pois o sujeito toma consciência de que existe como um ser só e único em relação ao outro. A partir disso, percebe que o outro é separado e diferente, surgindo um sentimento de identidade. É comum que as fantasias de separação sejam confundidas com as de perda e, nesses casos, a separação é vivida como uma perda.
Crianças com o transtorno só pensam no medo inerente à separação. Elas podem ter pesadelos ou fazer queixas físicas regulares, como dor de cabeça ou dor no estômago. Talvez relutem em ir à escola ou a outros lugares. Normalmente ocorre em crianças pequenas e é raro após a puberdade
As despedidas são normalmente dolorosas tanto para os pais quanto para a criança. As crianças com frequência choram e imploram com tal desespero que o pai ou a mãe não conseguem ir embora, o que prolonga a cena e torna a separação ainda mais difícil.
Elas frequentemente precisam saber onde o pai ou a mãe estão e ficam preocupadas com medo de que algo terrível vai acontecer a elas ou aos seus pais. Algumas crianças têm uma preocupação persistente e excessiva de que elas perderão os pais devido a sequestro, doença ou morte. Elas podem se recusar a ir à escola, a um acampamento, a uma visita ou a dormir na casa de amigos para não se afastar dos pais.
Em geral, elas parecem normais quando um dos pais está próximo. Como resultado, o problema pode parecer menos grave do que de fato é.
O transtorno é diagnosticado somente se os sintomas durarem pelo menos um mês e causarem angústia significativa ou prejudicarem significativamente as atividades dárias.
O manual de diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria, DSM-V, identifica que muitos desses transtornos de ansiedade tendem a se desenvolver ainda na infância e quando não tratados de forma específica, podem persistir até a vida adulta.
Freud mostrou que, quando a angústia de separação é muito forte, ela é vivida como um temor desesperador de se ver só e abandonado, o que constitui a fonte da dor psíquica e do sentimento de luto.
O objetivo na clínica com crianças é aliviar o seu sofrimento. Isso é muito mais importante do que enquadrá-la em algum transtorno. Cada vez mais na prática psicanalítica, além de se trabalhar os conflitos entre pulsões e defesas, é indispensável que se trabalhe com os problemas de déficit do desenvolvimento emocional primitivo que ocasionam desamparo, graves vazios existenciais e sérias deficiências nas capacidades do ego. Nesse sentido, empatia, paciência, ser continente contribuem para um crescimento mental para qualquer analisando.
Referências bibliográficas
CASTRO M.G., Sturmer A., Crianças e Adolescentes em Psicoterapia: A abordagem psicanalítica. Artmed Ed. Porto Alegre, 2009.
WINNICOTT, D.W., O Brincar & a Realidade. Imago Editora. Rio de Janeiro, 1975
ZIMERMAN, D. E.,Fundamentos Psicanalíticos: teoria, técnica e clínica:uma abordagem didática. Artmed.Porto Alegre, 1999
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